domingo, 22 de janeiro de 2017

Ética Cristã - A Igreja e o Estado

“Daí pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Mt 22.21

            “A ética cristã diz respeito às normas que regem a conduta comportamental do cristão como portador de dupla cidadania, a terrena e a celestial”.

            Para governar, ensinar e disciplinar o homem, a fim de este saiba fazer bom uso do seu livre-arbítrio, foram instituídas por Deus duas fontes de autoridade, duas esferas de poder: uma religiosa (poder espiritual) e outra política (poder temporal).

            O texto mencionado trata de uma questão ética da qual pouco se fala em nosso meio. No entanto, deveríamos abordar mais assiduamente este assunto em nossas igrejas e também em nossos meios de comunicação, haja vista que somos cidadãos de dois reinos: o do Céu e o da Terra. Do primeiro falamos sempre; do segundo, poucas vezes. Isto acontece porque, a ética e uma matéria pouco conhecida do povo em geral. Porém é muito importante para o povo de Deus a prática da ética cristã.

            A Ética poder ser definida como estudo crítico da moralidade e consiste da análise da natureza da vida humana e dos padrões do certo e do errado, mediante os quais a conduta de alguém pode ser aferida e conduzida. Entretanto, a ética diz respeito às normas que regem a conduta comportamental do cristão como portador de dupla cidadania, a terrena e a celestial. Sendo o somatório de princípios que formam e dão sentido à vida cristã, a ética deve fazer parte do nosso dia-dia. Tudo o que pensamos e fazemos deve ser medido pelos parâmetros de Deus, exaradas nas Escrituras Sagradas. Nisto reside à diferença básica entre a ética genérica e a ética cristã.

            O cristão é um súdito do reino de Deus na Terra e,  como tal, tem a cumprirem os seus deveres de cunho espiritual para esse reino. Como, cidadãos do  país  que  nascemos, têm  os  seus  direitos  e deveres cíveis a zelar, como os demais cidadãos, uma vez que recebem do Estado o amparo, a segurança, os direitos e tudo que as leis nos outorgam.

            Cabe a Igreja dentro do contexto político do Estado, ressaltando a sua inteira independência e da separação que existem entre ambos, deve a mesma manter informações a respeito das normas que regem a nossa conduta comportamental dentro da sociedade que vive.


A religião e o Estado no Antigo Testamento.

            O Antigo Testamento menciona vários povos e várias nações, cada qual com seu sistema próprio de governo e uma gama enorme de religiões com os seus inúmeros deuses. As religiões dessas nações eram politeístas. No Egito, por exemplo, havias vários deuses cujas posições no panteão eram modificadas com o passar do tempo e com as mudanças de dinastias dos faraós. De modo geral, o poder temporal e espiritual era exercido pelos faraós que se consideravam deuses, e ram assim adorados e cultuados pelo povo. Em outras nações, o poder religioso estava nas mãos dos sacerdotes da religião oficial, os quais possuíam enorme influência sobre o poder político exercido normalmente pelo rei. Em alguns reinos havia constantes desavenças entre os dois poderes, um querendo exercer a hegemonia sobre o outro.
            No Egito, algumas vezes, isto aconteceu. Haja vista o ocaso ocorrido sob o reinado de Amenófis IV da XVIII dinastia (ou Amenotepe IV), o Akenatom, que reinou de 1372 a 1354 a.C. e implantou o culto monoteísta ao Sol (Aton) como religião oficial no Egito. Revoltados, os sacerdotes politeístas insuflaram o povo contra o Faraó Akenaton, que fugiu de Tebas para Tel-EL-Amarna, para não ser morto.

Israel e Teocracia

Entre os contemporâneos, Israel se destacava pela sua religião monoteísta, pela sua fé no único Deus verdadeiro, Criador do Universo, Todo Poderoso (El Shadai), o grande Eu Sou (Javé).
            No princípio, Israel possuía rei que o governasse, pois Jeová era o seu Soberano, Senhor e Redentor, que o elegera entre os demais povos para ser uma nação santa, cuja missão era levar o conhecimento do Verdadeiro Deus às outras nações. Desse modo Israel seria luz para nos gentios que habitava as trevas da ignorância espiritual, portanto, o governo de Israel era teocrático, exercido pelo próprio Deus.

Os Sacerdotes e o Ofício Sacerdotal.

            Israel sendo uma nação sacerdotal, cada israelita era de certo modo um sacerdote, uma vez que todos os homens tinham o privilégio de aproximar-se de Deus no serviço de adoração. Os israelitas tinham  privilégios iguais quanto ao direito de ofertar sacrifícios ao Senhor, por intermédio dos sacerdotes. As escrituras citam vários exemplos de homens que ofereceram holocausto, entre os quais Gideão e Davi, embora não pertencessem a linhagem sacerdotal da casa de Arão, da Tribo de Levi. (Jz 6.24-27; 2 Sm 6.12-18)
            Os deveres do sacerdote consistiam basicamente em ministrar no santuário, ensinar o povo e tornar conhecida à vontade de Deus, conduzir espiritualmente o povo e interceder por ele, oferecendo holocaustos e reconciliando-o com Deus por meio das ofertas de manjares e ofertas pacificas e, sobretudo,  viver uma vida de real santidade.(Lv.21.6)

Os Profetas.

            Os profetas eram homens porta-vozes de Deus. Os profetas do Altíssimo exerciam uma tríplice função:
1)    Sua principal tarefa era a de expor os padrões de justiça nas áreas política, social e religiosa;
2)    Em relação à nação e ao individuo ele devia exigir reformas e instar com o povo para que atingisse os padrões de justiça requeridos por Deus;
3)    Finalmente deviam  pregar  a   verdadeira  mensagem  de Deus ao povo. (Is 1.4; 3.1; 11.1; 28.1; 30.8; 33.17;42.1; Ez 18.1; Ml 3.13; Mq 5.2)
 
Os Juízes.

            Durante cerca de 350 anos, após a morte de Josué, o povo de Israel foi governado por juizes, sendo os mais famosos Débora (uma mulher), Gideão, Jefté e Sansão. (Jz 4.4; 6-8; 11; 12; 13-16)
            O período dos Juizes foi dos mais dramáticos e violentos da história de Israel, visto que o povo te que lutar duramente para permanecer na terra que Deus lhe dera e, sobretudo, porque “naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos” Jz 21.25. Certamente Israel fazendo o que era mal diante dos olhos de Deus, atrai para si as maldições proferidas no monte Ebal, Dt 11.26; 9.26; 28.15. Contudo o Senhor não desamparava para sempre o seu povo, mesmo este sendo infiel. Por isso, Deus mesmo suscitava homens do povo e os constituía juizes, como lideres para libertar Israel da opressão dos inimigos.

A Monarquia.

            Samuel, o último dos juízes, foi uma exceção, pois exerceu tanto poder temporal quanto espiritual. Sua função foi tríplice: sacerdote, profeta e juiz “E Samuel julgou a Israel todos os dias da sua vida” , 1Sm 7.15. Tendo envelhecido, Samuel constituiu seus filhos juízes sobre Israel, porém estes corruptos e perverteram o juízo e deram ensejo a que os anciãos de Israel fossem pedir a Samuel  que lhes desse um rei, os anciãos e povo , na verdade, rejeitaram o governo de Deus. Havendo sido rejeitado, Deus atendeu ao povo dando-lhes um rei conforme haviam pedido. (1Sm 8;9;10) O povo escolheu Saul, o qual Deus logo rejeitou.
            Entre os monarcas de Israel e Judá não houve rei que tive exercido o poder temporal e o espiritual. As duas  funções sempre foram distintas: o rei tinha os seus deveres, e estes não confundiam com os dos sacerdotes. A autoridade do rei era limitada à esfera civil e o único cão de tentativa de intromissão no oficio sacerdotal foi o do rei Uzias, que por essa razão foi ferido de lepra pelo  Senhor. (2 Cr.26) Eis ai uma severa demonstração de que Deus não admite intromissão da autoridade civil  nos negócios concernentes aos seus ministros; isto é a ingerência do Estado na esfera da Igreja.

A Religião e o Estado no Novo Testamento.

            Nos dias do Novo Testamento, a situação entre o sacerdócio (poder religioso) e o poder civil sofre dramática mudança, uma vez que toda a autoridade procedia de Roma, a capital do Império. Os judeus, apesar de não se curvarem ao paganismo, à adoração dos deuses romanos, tiveram de submeter-se ao férreo domínio político de Roma. Contudo, os imperadores romanos concediam aos povos conquistados uma certa liberdade, tanto na esfera política quanto na religiosa. Por essa razão, encontramos nesse período a menção bíblica e histórica de uma organização judaica, política-religiosa, denominada Sinédrio, o Supremo Tribunal dos Judeus.

O Sinédrio.

            Sua origem, segundo alguns comentadores, remonta ao tempo em que Deus designou, entre os homens de Israel, setenta anciãos para ajudar a Moisés na tarefa de conduzir o povo à terra de Canaã. (Nm 11.16-24) Segundo outros, Esdras teria organizado esse grupo depois do Exílio. (Ed 7.25,26; 10.14) Também é possível que os anciãos referidos em Esdras (Ed 5.5,9; 6.7,14; 10.8), juntamente com os líderes de Neemias (Mn 2.16; 4.14,19; 5.7; 7.5), compusessem esse grupo de anciãos que mais tarde foi reorganizado, formando mais tarde o Sinédrio.
            Tudo indica que nos dias da revolta dos Macabeus foi esse grupo que se aliou ao sumo sacerdote Jônatas, líder do povo, para fazer uma aliança com Esparta. Até esse tempo, este grupo era conhecido como Concílio e acredita que o sumo sacerdote o presidisse. Durante o governo do tribuno romano Gabínio, esse concílio recebeu grandes poderes e, já pelos fins do primeiro  século a.C., tornou-se conhecido como o Sinédrio.

O Poder Espiritual e o Temporal.

            Sob o governo de Julio César a autoridade do Sinédrio foi estendida sobre toda a Judéia, de modo que, sob procuradores (6-66 d.C), o governo interno do país estava nas mãos do Sinédrio, que era reconhecido até mesmo na Diáspora. (At. 9.12; 22.5,30; 26.10-12) Sua atuação durou até o ano 70 d.C., quando foi abolido e substituído pelo Beth Din (Tribunal de Julgamento).

O Ensino de Jesus sobre o Estado e a Igreja.

            A missão de Jesus era salvar o seu povo dos seus pecados e proclamar o caráter espiritual do reino de Deus, entre os homens de boa vontade, incluindo os gentios. (Mt 1.18-23; Lc 1.30-35; 2.10-14; 4.14-21) Durante o seu ministério terreno, Ele deixou clara a sua posição quanto ao assunto abaixo relacionado:
            1) O poder do Estado tem a sua origem em Deus. De acordo com os ensinos dos profetas sobre a soberania de Deus e sua intervenção no governo do mundo relatado nos livros da Escrituras Sagradas (Is 45.1-13; Dn 4.17,31; 7.2,27), o Senhor Jesus, quando interrogado pelos fariseus e herodianos quanto à licitude de pagar ou não tributo a César, respondeu: “Daí pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. (Mt 22.21) Perante Pilatos, Jesus foi claro em responder: “O meu reino não é deste mundo”. (Jo 18.36) Mais tarde, diante da declaração do mesmo Pilatos que afirmava possuir poder para crucificá-lo ou soltá-lo, Jesus respondeu de modo claro: “Nenhum poder terias contra mim, se cima te não fosse dado”. (Jo 19.11) Com isto, o Senhor deixava claro que o poder de César, de Herodes, de Pilatos e de todos os governantes, em todos os tempos, procede de Deus. Ele é a causa primeira de toda a autoridade, tanto a do Estado, ao poder de César. (Mt 17.24-27; Fp 2.6-8) Devemos aprender com Jesus Mestre dos mestres, assim como Ele submeteu ao poder terreno nos assim também devemos fazer o mesmo.
            2) A missão da Igreja, dentro do plano divino, está expressa na Grande Comissão dada por Jesus aos seus discípulos, no Monte das Oliveiras. (Mt 28.18,19; At 1.8) Em relação ao poder temporal, a Igreja não recebeu de Deus a autoridade para dominá-lo, nem para submetê-lo ao seu governo. A missão precípua da Igreja é espiritual, não material, o que não significa que ela deva eximir-se do seu papel dentro do contexto social, pois os profetas vétero-testamentários enfocavam os direitos sociais do homem. (Am 4.1; 5.7-15; Mq 2.1,2; 3; 6.8) Ela é a luz do mundo e o sal da Terra, e como tal a sua missão é “iluminar” e “salgar” a Terra. (Mt 5.13,14)
            Através da pregação do evangelho a igreja “ilumina” o homem, levando-o ao conhecimento de Deus, o soberano governante do Universo, de quem promana toda a autoridade nos céus e na Terra, no mundo espiritual e no material.
            Neste particular, a Igreja tem responsabilidade de advertir os governantes quanto à necessidade da prática da justiça, bem como da misericórdia no exercício da autoridade que lhe foi outorgada por Deus. Sua tarefa é semelhante à dos profetas vétero-testamentários que exigiam dos governantes a prática da justiça e os advertiam do juízo de Deus, caso na obedecessem ao imperativo categórico divino, cuja base é a sua própria retidão que ampara o fraco, o pobre, o necessitado, segundo a sua misericórdia e o seu inefável amor aos homens.(Dt 1.16-17; Is 1.16-17; 3.13-15; 5.20-23; Jr 22.11-19)
            Isto não significa que a Igreja deva aderir à Teologia da Libertação (pelas armas, pela violência), pois a sua missão é a de proclamar a salvação e a paz.

Conclusão.


            Concluímos que para governar, ensinar e disciplinar o homem, a fim de que este saiba fazer bom uso do seu livre-arbítrio, foram instituídas por Deus duas fontes de autoridade, duas esferas de poder: uma religiosa (poder espiritual) e outra política (poder temporal). A esfera da autoridade espiritual é a Igreja; a da temporal, o Estado. Ambas são distintas, e entre elas deve haver o respeito mútuo. Uma não tem o direito de intrometer-se na administração da outra. Contudo, à Igreja está reservada a missão de orar pelos os governantes (1 Tm 2.1-4), advertindo-os da responsabilidade que têm de governar em consonância com os padrões éticos da Palavra de Deus. (Pv 11.1,14; Is 10.1,2; Ml 3.5) 

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