I - Introdução
IMAGINE esta cena:
As tropas filisteias enfrentam o exército de Israel. Golias, um gigante
filisteu, é o desafiante. Um jovem, armado apenas de uma funda e pedras, corre
ao seu encontro. Uma pedra certeira perfura o crânio do gigante e mata-o. Quem
era esse jovem? Davi, um pastor que ganhou essa extraordinária vitória com a
ajuda de Deus. — 1 Samuel, capítulo 17.
Com o tempo, esse
jovem tornou-se rei de Israel, governando por 40 anos. Ele era um bom harpista,
e compôs muitas poesias sob inspiração divina. Davi escreveu também mais de 70
belos salmos que são fonte de muito encorajamento e orientação para o povo de
Deus hoje. O mais bem conhecido desses é o Salmos 23.
Acerca da relação do Salmo 23 com o salmo precedente e o subsequente,
veja os comentários introdutórios do Salmo 22. Nenhuma parte das Escrituras,
com a possível exceção da Oração do Pai Nosso, é mais conhecida do que “O Salmo
do Pastor”. Sua beleza literária e percepção espiritual são insuperáveis. Como
observa Taylor: “Ao longo dos séculos esse salmo tem conquistado um lugar
supremo na literatura religiosa do mundo. Todos que o leem, independentemente
de idade, raça ou circunstâncias, encontram na beleza pacífica dos seus
pensamentos uma amplitude e profundidade de percepção espiritual que satisfaz
e domina a alma. Ele pertence à classe de salmos que exalam confiança e
segurança no Senhor [...]. Aqui o salmista não apresenta um prefácio de queixas
acerca das dores de enfermidades ou da traição dos inimigos, mas inicia e termina
com palavras de gratidão pela bondade eterna do Senhor”.
Oesterley também escreve: “Esse breve e seleto salmo, provavelmente o
mais conhecido de todos os salmos, relata de alguém cuja confiança sublime em
Deus lhe trouxe paz e contentamento. O relacionamento íntimo com Deus sentido
pelo salmista é expresso por duas figuras representando o Pastor protetor e o
Anfitrião amoroso. A breve referência aos inimigos indica que ele não estava
livre da maldade e intenção perversa de pessoas do seu povo, mas a menção
delas é superficial. Diferentemente de tantos outros salmistas que são vítimas
de inimigos inescrupulosos e que acabam exteriorizando sua amargura de
espírito, esse servo fiel de Deus tem somente palavras de reconhecimento e
gratidão pela bondade divina. Todo o salmo exala o espírito de calma, paz e
contentamento, decorrentes de sua fé em Deus, que o torna um dos mais
inspiradores do Saltério”.”
II - Significado de Salmos 23
O Salmo 23 é um salmo de fé. Em seis versículos, desenvolve-se o único tema do primeiro versículo. Davi não teme nem se preocupa, pois o Senhor é o seu Pastor. Este salmo de fé apresenta duas faces de Davi. Por um lado, ele é a ovelha cujo Pastor é o Senhor. Ao mesmo tempo, uma das descrições de realeza mais comuns na Antiguidade era a do pastor. Neste sentido, Davi, como rei, era pastor do rebanho de Israel. Isso quer dizer que o Salmo 23 também é um salmo real. Embora não contenha a palavra rei, descreve o que significa ser um bom governante. Sobretudo, fala profeticamente de Jesus. Ele é o Bom Pastor, em quem o rebanho confia (Jo 10); e é o Rei, cujo mandato perfeito será instituído (Lc 23.2,3; Ap 17.14). O salmo possui dois momentos: (1) descrição do Senhor como o Pastor que cuida de toda necessidade do salmista (v. 1-4); (2) descrição do Senhor como o Pastor que estende Sua misericórdia a todos (v. 5, 6).
23.1 — O Senhor é o meu pastor. As metáforas que Davi usa para falar de Deus provêm de sua própria vida e vivência. Ele fora pastor quando jovem (1 Sm 16.19).
23.2 — Qualquer perturbação ou intruso assusta as ovelhas. São animais muito medrosos, que não conseguem deitar-se a não ser que se sintam totalmente seguros. Verdes pastos. Davi emprega uma linguagem eloquente para exprimir como visualiza o grande zelo que Deus tem para com Seu povo. Águas tranquilas. As ovelhas receiam os rios turbulentos. Mas podem ficar sossegadas porque Deus as supre com águas tranquilas.
23.3 — Refrigera
a minha alma. Deus refrigera o Seu povo com Sua voz tranquilizadora e
Seu toque gentil. Por isso, as ovelhas conhecem seu Pastor e são por Ele
conhecidas (Jo 10.14). Por amor de seu nome. Os atos amorosos do Pastor provêm
de Sua natureza.
23.4 — Vale da sombra da morte pode
significar qualquer situação de aflição em nossa vida. A consciência de nossa
própria mortalidade costuma se destacar quando da doença, provação ou
dificuldade. Mas o Senhor, nosso Protetor, pode nos guiar em meio a esses vales
sinistros e complexos até a vida eterna junto a Ele. Não há por que temer o
poder da morte (1 Cr 15.25-27). Tu estás comigo. O Bom Pastor
está conosco mesmo nas situações que pareçam mais complicadas e
angustiantes. A tua vara e o teu cajado. Os pastores da
Antiguidade usavam a vara e o cajado para resgatar, proteger e guiar as
ovelhas. Assim, se tornaram símbolos do amoroso zelo do bom Pastor sobre Seu
rebanho. As ovelhas não ficam sós; o pastor está constantemente a seu lado,
orientando-as para local seguro — assim também o Senhor paira sempre sobre nós
a nos proteger.
23.5 — Uma mesa perante mim. A providência de Deus é tão abundante que é como se Ele nos tivesse preparado um banquete. Unges. No antigo Oriente Médio, o convidado de honra de um banquete costumava ser ungido com azeite de oliva perfumado. O meu cálice. A providência de Deus é tão exuberante quanto o vinho oferecido a um convidado por um anfitrião amplamente generoso. O lauto tratamento dado aos convidados é uma amostra do zelo que Deus tem pelo Seu povo.
23.6 — O uso tanto de bondade quanto de misericórdia para descrever o amor leal de Deus intensifica o sentido de ambas as palavras. O que o salmista destaca no versículo 5 é a abundante misericórdia de Deus — Seu amor imerecido por nós. O verbo hebraico seguir refere-se aqui a um animal caçando. Quando o Senhor é nosso Pastor, em vez de sermos perseguidos por feras selvagens, somos seguidos pelo Seu amor. Na casa do Senhor por longos dias. A promessa de Deus aos israelitas não era somente do usufruto desta vida na terra prometida (Sl 6.1 -3); mas valia também para o usufruto total de vida eterna em Sua abençoada presença (Sl 16.9-11; 17.15; 49.15